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  • Foto do escritorVivamo Enogastronomia

Harmonização, o entrosamento perfeito entre a comida e um bom vinho



Certa vez, curtindo o Mercado Municipal de São Paulo, como costumo fazer todas as vezes que passo pela cidade, assisti a uma cena que me chamou muito à atenção. Um jovem pai e seu filho, que deveria ter entre 5 e 6 anos, passeavam pelo mercado, de barraca em barraca, parando por longos tempos em cada uma delas. O pai conversava com o filho sobre frutas, verduras, legumes, especiarias. Ele estimulava o filho a ver as cores dos alimentos, sentir a textura, cheiro e gosto. O garoto correspondia bem entusiasmado, fazendo suas observações: amargo, doce, azedo, forte, suave. Não preciso dizer o quão encantada fiquei com a cena.


Nesse momento, lembrei-me de um professor que dizia que o vinho tem aromas e sabores de infância, quanto mais rico é nosso vocabulário gastronômico, mais precisos somos em nossas degustações. Um vinho é um complexo que se forma a partir das condições climáticas da região, da safra, da influência da vizinhança, terra, água e ar, da barrica que o abrigará. Desse conjunto, resultam aromas e sabores muito particulares, uma identidade única. Quando inalamos seus cheiros, vem-nos como referência os nossos cheiros. Para mim, o cítrico pode lembrar limão, por exemplo, e para outro lima da pérsia. Frutas vermelhas podem lembrar amora. Mas se não conheço lima da pérsia, não poderei senti-la. Se nunca comi amora, não sei seu cheiro ou gosto, consequentemente, não poderei lembrar-me dela.


Isso me deixou um pouco frustrada, será que eu jamais faria uma boa degustação por falta de repertório olfativo e gustativo?


Por outro lado, valeu-me de estímulo e, por isso comecei a buscar, prestar atenção nos detalhes, permiti-me sentir aquela experiência. Frequentei feiras livres, senti, cheirei, mastiguei coisas das mais variadas. Aprendi a respeitar o cardápio dos chefs. Essa coisa de pedir para trocar x por y no meu prato está na contramão do trabalho de harmonização de cores, aromas e sabores de um prato, que foi pensado, testado, decidido, simplesmente por que harmonizam. Parei com essa coisa de não como isso, eca! Assim, ampliei meu universo gustativo, rapidamente, e foi, então, que percebi que meu professor tinha toda razão. Ao invés de cair na frustração, uma ação corretiva foi necessária.


Existe uma nova teoria permeando a harmonização. Alguns profissionais afirmam que harmonizar é um processo muito particular e que vai de cada um, não há regras, apenas combinações prazerosas. Acho que preciso discordar! Sim, há flexibilidade e os gostos são muito particulares, mas não se pode negar que o entrosamento entre comida e bebida tem que resultar no umami, precisam ter intimidade e completarem-se sobejamente.


Certo, a harmonização não é uma tabela do tipo peixe requer vinho branco e carne, o tinto. Realmente, isso é coisa do passado, um passado leigo e sem tradição na cultura brasileira. Logo mais, vamos ver que existe, até, um certo fundamento nessa “tabelização”, mas que nem de longe é tão simplista assim.


A harmonização pretende valorizar o vinho e a comida. Gorduras precisam ser quebradas, ácidos precisam ser valorizados, notas precisam realçar especiarias, doces precisam de contraponto. Enfim, há certas regras, sim!


Para que as sensações do conjunto vinho e comida sejam incríveis, precisamos observar atributos similares nas obras que serão servidas, a sinergia da harmonização deve ter um resultado surpreendente.


Grandes vinhos merecem grandes comidas, assim como uma comida umami precisa de um vinho umami, comidas simples, vinhos simples. A complexidade dos vinhos ressalta aos olhos. É o primeiro sentido da degustação. Uma estrutura firme, encorpada, com cores, fascinantemente, “vinhas” ou de um ouro vibrante, leveza ao dançar na taça, lágrimas límpidas, contínuas… Entender sua cor é o primeiro passo para identificar a uva e o que se pode esperar no nariz e na boca. Quando inspiro profundamente a taça, posso começar a entender quais as possíveis regiões onde nasceram, posso mergulhar em aromas deliciosos (ou não), sinto frutas, sementes, grãos, especiarias, doces, uma explosão de cores, aromas e sabores. Mas, na boca, os argumentos decisivos são a salivação, a secura, o retrogosto.


Num grande prato, encontramos prazeres que saciam nossa fome pré-histórica, equilibram a pirâmide das necessidades básicas do ser humano. Uma comida sensacional faz-nos sensacionais. Um prato bem feito, saboroso, daqueles que deixam uma lembrança prazerosa, é apreciado, primeiro, por sua apresentação. São cores, formas, disposição dos alimentos no prato de servir. Depois, vem o paladar. Sabores encorpados ou refrescantes, dentro de uma complexidade de preparações em que o destaque será aquele escolhido. Se o papel-chave é de uma carne, seu molho deve realçar seu sabor e não o mascarar. Um prato como esse demanda um vinho igualmente complexo, capaz de manter um protagonismo ao mesmo tempo em que se revela um dos pilares da experiência gastronômica. Ou seja, harmonizando-se.


Então, já temos nossa primeira dica, quando se trata de harmonização, comidas complexas – vinhos complexos, comidas simples – vinhos simples!


Existe a máxima de que os opostos se atraem, creio que devamos checar essa teoria. Nossa língua, por meio das papilas gustativas, é capaz de perceber imediatamente o salgado, ácido, amargo e doce. Misturando os sentidos olfativos e gustativos, encontramos aromaticidade, condimentação e persistência, a complexidade das gorduras, suculência e untuosidade. Dessa forma, ao buscar-se um vinho, temos o propósito de acentuar ou atenuar o paladar da comida.


E, tratando-se de vinhos, precisamos, minimamente, saber o que estamos procurando. Geralmente, hoje, recorremos a lojas especializadas ou seções nas grandes redes de supermercados. É muito comum encontrarmos um sommelier à nossa disposição. Ao indagar esse profissional, temos que ser objetivos no pedido: preciso de um vinho encorpado, sabores intensos, notas de pimentas e especiarias, que cause boa impressão e que custe entre 150 e 200 reais, por exemplo. Certamente, ele indicará exatamente o que você descreveu.


Se pedir orientação sobre o que harmonizar com uma linda lagosta que leva queijos em sua formulação, a recomendação será baseada nas sensações que o sommelier perceberia ao desfrutar desse prato. Numa combinação complexa como mar e campo (lagosta e queijo), muitos são os fatores a serem considerados como a gordura presente no prato final, as especiarias que farão parte dessa história, se terão doces ou adstringentes, que atenuam a gordura, enfim, a sorte estaria lançada.


Não tenha vergonha de reportar-se ao sommelier, ele se preparou e foi contratado para isso, perca horas, se preciso for, mas saiba determinar exatamente qual sua expectativa sobre aquela compra. Se sua intenção for a de um evento marcante, que leve seus convidados ao máximo prazer da enogastronomia, faça antes uma prova, é importante saber qual será o resultado dessa experiência. Já numa ocasião informal, podemos compartilhar o prazer de desfrutar desse teste, escolhendo algumas indicações que, provavelmente, harmonizarão com excelência e discutir com o grupo de amigos sobre os atributos da comida e do vinho. É bem legal!


Hoje, temos alguns aplicativos que nos dão todas as características do vinho que servimos, dentre eles o Vivino. É uma excelente alternativa para quem está despertando para esse interesse. O aplicativo traz algumas informações legais. Infelizmente, os usuários nem sempre contribuem expressando suas apreciações sobre os títulos degustados. Mas você pode encontrar informação de quais elementos encontrará dentro da garrafa e, se tiver sorte, algum expert terá deixado um comentário.


Logo, tratarei de aspectos mais técnicos sobre os atributos dos vinhos, mas por enquanto, quero reafirmar que a harmonização entre comida e vinho é imprescindível para tirar o melhor proveito de uma e de outro.



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Chef Glau Zoldan

Vivamo Enogastronomia

Praia da Gamboa | Garopaba | SC

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